O Santuário onde Deus Habita
“Queridos artistas, como bem sabeis, são muitos os estímulos, interiores e exteriores, que podem inspirar o vosso talento. Toda a autêntica inspiração, porém, encerra em si qualquer frémito daquele « sopro » com que o Espírito Criador permeava, já desde o início, a obra da criação. Presidindo às misteriosas leis que governam o universo, o sopro divino do Espírito Criador vem ao encontro do gênio do homem e estimula a sua capacidade criativa. Abençoa-o com uma espécie de iluminação interior, que junta a indicação do bem à do belo, e acorda nele as energias da mente e do coração, tornando-o apto para conceber a ideia e dar-lhe forma na obra de arte. Fala-se então justamente, embora de forma analógica, de « momentos de graça », porque o ser humano tem a possibilidade de fazer uma certa experiência do Absoluto que o transcende. (trecho da carta aos artistas de São João Paulo II)
Em sua Carta aos artistas, São João Paulo II nos explica de maneira muito próxima a importância que um projeto artístico ou de arquitetura tem em conjunto com a vivência da vida espiritual experienciada pelas pessoas. A inspiração para cada projeto deve ter em seu íntimo um conhecimento daquilo que se pretende projetar – que vai além do conhecimento técnico adquirido - e entender, sobretudo, que a verdadeira inspiração vem do próprio Deus quando nos colocamos sob a luz de Seu Espírito Santo.
Ao projetar um edifício religioso entendemos que estamos projetando um espaço que transcende o que é material; sabemos que ele pode ser parte daquilo que nos ajuda a elevar a Deus, por isso alguns elementos devem ser levados em conta. A vida espiritual se vive começando pelo Batismo, afinal é por esse sacramento que recebemos a vida em Cristo - esta vida que recebemos é convergente e nos pede a vivência em comunhão. E aonde temos a possibilidade de estar em comunhão? Nos espaços religiosos, nas igrejas.
E como devem ser estes espaços? Seguir algum estilo arquitetônico? Ser moderno ou contemporâneo?
Durante o 11° Encontro Nacional de Arquitetura e Arte Sacra (ENAAS), ocorrido na cidade de Curitiba, Paraná, foi apresentada a passagem na qual Moisés recebe a ordem de Deus para que construa duas tendas: uma dentro – significando a humanidade e a Igreja – e uma fora, onde habita o Pai. Ambas são separadas por um véu – o pecado e a morte – que impedem que a humanidade saiba o que existe além de sua própria tenda e não possa chegar junto a Deus. Quando Jesus se fez homem Ele adentrou a tenda da humanidade e com Sua morte na cruz rasgou esse véu, permitindo o acesso da humanidade à tenda onde Deus habita. Ele segue dando explicações sobre os elementos que compõem o edifício e sua relação com o Divino.
Como expressamos isso na arquitetura? A ABSIDE é o local onde Deus habita, devendo ser côncava por tal geometria simbolizar o esvaziamento de si e o acolhimento do outro – o modo de existir de Deus. Nela temos o ALTAR, onde ao invés de Jesus transformar água em vinho como nas Bodas de Caná, transubstancia o vinho em Seu sangue para a remissão da humanidade. É o auge, onde queremos um dia estar.
O acesso à tenda de Deus se dá por meio da Liturgia, pois por meio dela, renova-se o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ainda, refletimos sobre a vida com momentos de oração de sincero arrependimento, escutamos a Palavra que nunca vai deixar de existir ou mudar uma vírgula que seja, louvamos a Deus por tantas graças que recebemos e então, ofertamos os nossos sacrifícios e manifestamos o desejo de uma vida em comunhão.
Durante a semana temos inúmeras atividades e precisamos sempre nos voltar àquilo que realmente importa - essa idéia do retorno remete ao conceito de convergência e comunhão - e então procuramos estes espaços. Neste momento deve ser fácil identificar de longe a função de um edifício e aqui a PORTA de uma igreja é muito importante, pois significa o ingresso em Cristo e quando entro em Cristo não entro sozinho, é a comunhão que começa a se manifestar. Na porta de entrada já me recordo que recebi a vida como comunhão pelo Batismo por isso ao entrar já vejo a PIA BATISMAL.
Através do CORREDOR CENTRAL percorremos este caminho tão importante que nos leva à conversão; no ponto onde acaba a tenda da humanidade e começa a tenda onde Deus habita está o CRUCIFIXO, que para os cristãos não é uma meta e sim uma passagem - o sentido da vida não é ser crucificado e sim ressuscitado.
Depois retornamos à nossa casa, família e trabalho para começar novamente com desejo de mudança e de sermos melhores do que antes, um processo que perpetua por toda a vida espiritual.
Na concepção de um projeto, o ENAAS concentra-se na Eucaristia como modelo para a arquitetura e para a vida. Assim, ele volta o olhar do arquiteto para os principais elementos arquitetônicos envolvidos na Liturgia, mencionados brevemente acima – enfim, a Eucaristia como conceito.
O espaço religioso é sagrado e merece respeito e conhecimento litúrgico para ser desenvolvido, já que ao ser humano não é possível construir sozinho algo que seja capaz de atender a grandeza daquilo que é celebrado.
Independentemente do estilo arquitetônico optado, muitas vezes por desejo dos próprios sacerdotes e comunidade sem o conhecimento necessário, o importante é não deixar se perder aquilo que tem muito sentido e que por vezes é deixado de lado em muitos projetos.
Diante de tudo isso, compreendo melhor o “sopro” do Espírito Santo ao qual São João Paulo II se referiu em sua carta: a estética que deixa de lado o sagrado para atender às aspirações humanas é um desperdício e se perderá no tempo; contudo, aquela que busca atender e ter por centro a Eucaristia, ainda que de maneira mais simples, se torna de fato o Santuário onde Deus habita.
Alessandra Franzoi